Conto Um Quadro Na Parede - Paulo Henrique Bragança

11 de março de 2016
           


- Bom dia!
- Bom dia! Nós temos uma reserva para o final de semana.
- Ah, claro. A reserva está no nome do senhor?
- Sim, Daniel Moore.
Depois de passarem a noite toda viajando, enfim a família Moore havia chegado ao Hotel 21. Daniel estava fazendo o check-in enquanto sua esposa e a filha andavam pelo saguão esticando as pernas. Foram mais de oito horas de viagem.
- Mãe, este hotel é muito esquisito.
- Não fale assim, Maysa. Ele é apenas um pouco velho, na verdade, muito velho.
- Mais velho que o vovô? – perguntou Maysa.
- Muito mais. – respondeu Sara com um sorriso.
Antes de Maysa nascer, Daniel e Sara sentiam que o casamento deles ainda estava incompleto. Agora a menina era a alegria daquela família, mas nem sempre foi assim; Sara teve problemas para engravidar, sendo necessário anos e anos de tratamento, além de muita disciplina e perseverança para alcançar o sonho de ser mãe.
- Nossa! Então este hotel é muito velho porque o vovô é quase um ancião.
- Ei, onde você ouviu esta palavra, “ancião”?
- Na TV, mamãe.
- Vamos! – Daniel chamou – Nosso quarto está pronto.
O pai estendeu o braço, pegou a mão de Maysa e seguiram o recepcionista rumo às escadas.
O quarto ficava no final de um corredor. Maysa achou o lugar tão antigo quanto às pirâmides que ela havia visto nas gravuras dos livros de seu pai. Talvez não fosse tão antigo assim, mas era esta a impressão que passava. No duplex havia duas camas, uma de casal e outra de solteiro, além da mobília de carvalho envernizado, possivelmente datado da época em que o país ainda era uma colônia de Portugal, havia um quadro pendurado na parede defronte a cama de casal.
Maysa sentiu um arrepio percorrer sua espinha ao olhar aquela pintura. Ela não passava de uma criança, mas sabia reconhecer que aquele quadro também era muito antigo, talvez até mais antigo que o prédio ocupado pelo hotel. 
A pintura retratava um homem de terno escuro, muito antigo e suas feições eram sérias, as linhas de expressão duras. Ele estava em pé atrás de uma poltrona, no qual uma mulher sentava. Ela era jovem e muito bonita, sua expressão facial era suave, um leve sorriso iluminava seu rosto. Trajava um vestido amarelo, comprido e muito diferente dos padrões atuais. Maysa nunca tinha visto uma mulher se vestir assim. O homem estava com a mão direita no ombro da mulher, como um cão segurando um osso.
- Quem são esses no quadro? – perguntou Maysa.
- Segundo os registros do hotel, eles se hospedaram aqui há muito tempo. Pelos relatos, alguma coisa muito estranha aconteceu com eles, mas a maioria dos documentos se perdeu com o tempo. Eles ficaram justamente neste quarto.
Vendo que sua filha ficou perturbada com a história, Daniel disse:
- Não se preocupe Maysa, essas histórias são comuns em prédios antigos como este. Lembra-se daquele desenho que você gosta tanto, qual é o nome dele mesmo? Aquele do cachorro e dos fantasmas.
- Scooby-doo?
- Esse mesmo. Fantasmas não existem, sempre são pessoas fantasiadas. Os verdadeiros monstros são as pessoas.
- Bem, se precisarem de alguma coisa estarei na recepção – disse o funcionário saindo do quarto e deixando-os sozinhos.
             

Logo que o carregador trouxe as malas, a família Moore saiu para aproveitar os encantos da cidade do Rio de Janeiro; as praias, um passeio de bonde até o Corcovado, a vista da cidade do Cristo Redentor. Eles voltaram apenas quando o sol já estava se pondo no horizonte.
Há muito Maysa não se divertia tanto na presença dos pais. Durante o ano letivo momentos de lazer eram cada vez mais raros. O trabalho dos pais e os vários compromissos que a menina tinha durante o dia - escola, natação, ballet, aula de inglês, aula de piano – dificultavam o contato entre eles. Maysa quase não via os pais durante a semana.
Cansados pela agitação do dia Maysa, Daniel e Sara deitaram-se na cama de casal e adormeceram.
Passos.
Maysa despertou ao ouvir o som de passos dentro do quarto. O lugar estava muito escuro e por isso ela tateou a cama em busca dos pais, mas eles não estavam mais ali.
- Aaaah!
Um grito.
O coração da garota disparou, parecendo um leão preso dentro de uma jaula tentando fugir do seu peito. Maysa se encolheu e tremendo de medo chamou pelos pais, ela estava tão apavorada que faltava ar em seus pulmões, fazendo sua voz soar baixinho, quase um sussurro.
Reunindo a pouca coragem que ainda lhe restava, Maysa desceu da cama e andou em direção à parede a procura do interruptor. Finalmente o encontrou, e então, acendeu as luzes. Seria melhor se ela não tivesse feito isso.
A pintura no quadro se mexia, estava viva.
O homem de terno escuro se moveu atrás da poltrona. Com uma mão ele segurou a mulher pelos cabelos, forçando sua cabeça contra a poltrona. Na outra mão ele portava uma faca e com um movimento firme, passou a lâmina pela garganta dela, abrindo um rasgo em seu pescoço. Sangue começou a escorrer pelo quadro, manchando a parede de um vermelho vivo. A mulher se debatia na poltrona, seus últimos momentos de vida, enquanto o homem esboçava um sorriso de satisfação.
Maysa tentou gritar, mas não conseguiu produzir nenhum som.
O homem olhou diretamente para a garota, parecendo curioso. Ele deu um passo e sua perna passou pelo quadro. Deu outro passo, se agachou, e no instante seguinte, estava em pé dentro do quarto do hotel. A lâmina na mão direita e o sorriso cruel estampado.
Maysa gritou. Gritou com toda a força de seus pulmões, gritou com toda a força que ainda lhe restava, gritou por sua vida.
Ao ouvirem os gritos, um hospede que estava no quarto ao lado chamou os seguranças, que por sua vez, encontraram Sara e Daniel. Eles estavam no cassino do hotel e voltaram para o quarto o mais rápido possível. Mas infelizmente já era muito tarde.
O quarto estava impecavelmente limpo e calmo, menos onde Maysa estava caída em uma poça de sangue com a garganta cortada.


Conto escrito por Paulo Henrique Bragança




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